A.P.: Pablo, como você começou no teatro e como foi esse momento em que você e Nando se conheceram? E a formação do Teatro Ritual?
P.A.: Eu era aluno do Lyceu, o Nando tinha uns amigos e eles começaram a fazer trabalhos com o teatro. A maioria dos trabalhos eles faziam apresentações e isso começou a fazer um burburinho na escola. Então eu já gostava de fazer teatro, já fazia teatro na escola em que eu estudava antes
e tava procurando onde tava o meio cultural, o meio artístico da escola. Então
na minha turma tinha a Tâmara, que foi uma pessoa importante nesse momento. Ela era uma amiga comum e disse ah tem o pessoal aqui na escola, o Ruber e o Nando que fazem teatro. A gente foi apresentado e eles tinham um projeto de montar um espetáculo, que falava sobre a coisa da Aids na época, e aí tinha um monte de gente envolvida. Eu achei isso uma coisa muito interessante, o texto era uma coisa muito legal, chamava-se “Pelos gritos do sangue”, escrito pelo Nando e pelo Ruber. Eu me identifiquei. Tinha a idéia de um cara contrair a doença mas ele achava que aí ele era um vampiro, idéia super-louca. Isso me seduziu, falei ótimo, achei minha turma aqui. Só que a gente começou os ensaios, tinha uma galera assim de 30 pessoas que não fazia teatro, uma zona. A galera chegava no auditório pra ensaiar e colocava o “Raimundos” e começava a dançar e trocar idéia. E aí eu pensei, ué mas e aí, cadê a coisa acontecendo? A gente ía ensaiar na casa do Miguel, que o Miguel morava perto da escola na época. Na verdade não era um ensaio, era uma celebração, era uma farra. Resultado: não saiu o espetáculo. Eu lembro até que o menino que fazia o personagem principal – teve um teste lá pra seleção do elenco e tal - e esse menino que fazia o personagem principal que era portador de aids, era portador de aids na vida real e ele falou isso. E aí ficou um clima porque ninguém tava preparado, aquela coisa, todo mundo na curtição e não sei o quê e aí o cara assume ai eu sou portador de aids . Enfim, faltou ali um método e o que era pra acontecer não aconteceu, ficou aquela coisa dos amigos se encontrando no final de semana, e aí rolou toda uma frustração, né... então eu falei não era essa galera que eu queria fazer teatro porque eles são mais a fim da curtição e tal. Me distanciei deles e fiquei com uma certa mágoa também,porque eu queria muito fazer a coisa e senti que eles não tavam prontos pra conduzir. Logo surgiu uma professora de teatro na escola, a Adriana Araújo, ela era do Guará. Aí ela tinha um contato com algum professor lá do Lyceu e rolou a coisa dos PRAECS, dos projetos nas escolas, e ela passou na minha sala. Quando ela passou, ela falou - olha eu vim aqui pra chamar pro curso de teatro não sei o que...Quando ela saiu eu lembro que o professor que tava lá, que era um professor de Biologia muito descolado que eu respeitava muito, soltou a frase, falou gente aproveita essa oportunidade porque numa escola pública ter um professor de teatro assim, podendo fazer de graça não é sempre, não é em qualquer escola. E realmente não era. Então eu juntei uma galera que tava lá, meus amigos, falei vamu vir hoje à tarde. Nós fomos, aí ela veio com todo um método que ela tava fazendo no Guará, estudando no Guará, na época tinha o Lau, a Karine Frattari, eles tavam fazendo o “Auto da Compadecida”, tavam treinando muito teatro físico, então ela tava estendendo isso pros alunos da escola. Ela traz essa técnica teatral - e até então eu sempre fiz teatro intuitivamente, vi que os meninos também faziam com essa intuição, e chega a Adriana colocando uma técnica né - técnicas vocais, técnicas corporais que ela trazia da Universidade Católica, do trabalho que ela fazia com o Samuel Baldani. Isso me encantou, adorava ir pras aulas e tal, então eu comecei a fazer parte desse grupo que era o grupo da Professora Adriana na escola, e tinha o grupo do Nando, o “Ritual Cia Cênica ' na época, e a gente meio que tinha uma rixa assim na escola, que era uma coisa super saudável na época, uma concorrência saudável, porque eu tinha passado pelo grupo Ritual, onde tava surgindo essa idéia de ritual, e tinha visto que não tinha essa metodologia, essa técnica e tava estudando com a Adriana e vi que tinha uma coisa mas o que aconteceu foi que o Nando e o Ruber começaram a organizar essa história do grupo, tiraram um monte de gente da história e ficaram fazendo teatro o Nando, o Ruber e a Maira praticamente. Eles começaram a estabelecer essa formação do grupo na época, e eu fazia teatro com a Adriana. Então tinha esses dois grupos na escola: o oficial, que uma professora coordenava e tal, e tinha o grupo dos alunos, que eles tinham uma liberdade ali na escola. E aí logo rolou uma história de eles precisarem substituir um ator, num espetáculo que eles tavam montando, o Nando e o Ruber, que era já a idéia do Ritual, então eles tavam ensaiando o espetáculo. Eles tinham essa autonomia na escola, até cobravam ingressos dos alunos, o que funcionava meio como um salário, era uma coisa bem interessante como a coisa começou a se estabelecer e que parte dessa época...mas eles começaram a fazer uma peça que se chamava “Pintou um clima”, que era uma peça sobre os adolescentes que se conhecem numa festa e tal e aí depois tinha um casamento... e aí o que aconteceu foi que a atriz principal inflamou a garganta, uma faringite, e ela fazia parte de uma seita, uma religião em que não podia tomar remédio. E aí no dia da apresentação, a mãe dela liga falando olha ela não vai poder ir hoje, não vai poder que ela tá com a garganta inflamada e ela não pode tomar antibiótico... e os alunos já tavam fazendo uma fila pra entrar e assistir o espetáculo. Daí eles foram, o Nando e o Ruber, lá na minha sala e falaram – olha, tem um personagem que é uma ponta, se você puder fazer...que aí a gente coloca um ator, que era o Ruber, pra fazer o personagem dela e você faz o padre, que só aparece no final. Foi dito e feito, o Ruber se traveste de mulher e faz o personagem principal que a Maira fazia, e eu fiz o final. Peguei o texto rapidinho e montei uma coisa, pra ajudar eles né? E o Ruber falou depois que ele sonhava que isso ía acontecer, e aconteceu de fato, e aí eu achei super interessante isso tudo, achei interessante pegar assim o personagem e montar, pegar as técnicas que eu tinha aprendido lá com a Adriana, de projeção vocal e tal. Aí a gente começa a estreitar a relação de novo. Depois do “Pintou um clima”, pintou um climão, a Maira não foi e tal e aí ela teve que se afastar, então eles pensaram em montar um espetáculo, o Ruber e o Nando, e aí me convidaram pra participar. Era “Os Tufos”, que eram três personagens estraterrestres que estavam decidindo o futuro da humanidade, e eles íam escolher se o mundo ía acabar, se o mundo não ía acabar, rolava aquela coisa do ano 2000, da virada do milênio... então o espetáculo chamava “Tufos, o destino do homem após o ano 2000”, uma coisa assim. E tinha umas idéias super legais que me inspiravam pra caramba, e aí eu fui e entrei nessa história, comecei a ensaiar com eles e aí que a minha história com os meninos, o Nando, o Ruber e o Teatro Ritual começa a se estreitar um pouco mais, com essa montagem dos “Tufos”. É também um momento em que o curso infelizmente acaba, o curso que eu fazia lá com a Adriana. O contrato dela vence, aí ela me chama pra participar do Grupo Guará. Aí eu começo a frequentar o Guará, mas não mais como aluno da Adriana, mas como um estagiário, vendo e fazendo parte dos treinamentos...o Lau Carvalho na época puxava umas coisas super bacanas, muito legais, e aí fui me tornando mais independente de professor.
A.P.: Quando você deu apoio pro Nando no Lyceu, ele já era professor? Como isso se dava?
P.A.: Era uma coisa muito interessante porque a gente saiu do Lyceu e aí a gente se formou e tal, mas a gente ainda teve uma abertura porque o diretor que entrou no Lyceu, ele super queria que a história do teatro continuasse ali. A Adriana, que era a professora... bom, houve uma fatalidade, ela foi assassinada pelo namorado e tal...mas ele queria que continuasse o professor de teatro e o Nando, como já encabeçava a história do grupo ali, propôs pro diretor, o Miguel, e ele falou “claro, pode continuar por aqui” e a gente meio que continuou com a sede do grupo lá no Lyceu. A gente saiu do Lyceu durante um ano foi quando a gente se formou. Aí ficou no Jaó, na casa do Nando.
Depois o Nando foi contratado pelo Lyceu e a gente voltou pra lá. Eu saí do grupo Guará, e nisso meio que tava só eu e o Nando tocando a história do grupo... o Ruber foi atrás de uma história pessoal e tal, a Maira também... então a gente não tinha atores, tinha várias idéias e tal. Então quando o Nando começa a dar aula, a gente vê esse potencial de de repente trazer esses alunos que faziam aula com o Nando, e aí a gente escolheu umas pessoas para montarem um espetáculo com o grupo. Então durante as aulas eu meio que acessorava o Nando... ele dava as aulas mas eu sempre tava acessorando ele, e das aulas a gente foi convidando os alunos, por exemplo o Paulinho...a gente foi convidando eles para fazer parte do Teatro Ritual. Então aí fica bem misturado a questão do Nando como professor e eu como esse estagiário, esse acessor dele dentro do Lyceu e essa ponte que era esse grupo de alunos para o Teatro Ritual, as coisas começam a caminhar um pouco juntos ali. A gente dava aula de manhã, tinha um horário que as turmas da escola inteira íam para fazer teatro...era muita gente na época, o Lyceu tinha muito aluno, a gente tinha que dividir todo mundo em umas duas ou três turmas, e a gente dava aula o dia inteiro pra elas... e ainda tinha um horário que era um horário pro grupo e que a gente convidava alunos dessas três turmas pra participar de um núcleo comum, que era o núcleo de produção, que era o Teatro Ritual.
A.P.:
E aí depois você também passou a ser professor, não é? Queria que falasse um pouco disso, e de quando você montou as peças com os alunos e houve prêmios na história...
P.A.:
Essa história da educação vai...então, quê que acontece...eu não era professor efetivamente, o Nando tinha um contrato lá no Lyceu e eu não, então eu auxiliava ele, e essa coisa do professor de teatro na escola não era formal...aí paralelamente tá rolando na cidade a coisa da estruturação na educação da coordenação de artes no Estado, que era o Ciranda da Arte. Então quando o Ciranda tá nascendo e descobre o trabalho do Nando lá no Lyceu, então eles falaram ó vc é o professor de teatro aqui, e tem o professor de dança, o de música, então vamos unir esses professores e fazer uma reorientação, uns cursos... e aí começa a ter a coisa dos PCNs e isso tudo a Luz Marina coordenando. A idéia do Ciranda da Arte, que nasce, que surge dessa coordenação dos professores de arte, então começa, o que foi muito importante. Então o Nando começa a fazer esses cursos de formação, que eram muito interessantes, o PCN com Arte, a idéia dos PCN, os Parâmetros Currriculares Nacionais. Pra escola os parâmetros em arte eram muito interessantes...eu achava muito legal, porque a gente dava aula assim muito intuitivamente e aí saber que tinham esses parâmetros que estavam sendo implantados nas escolas chamou muito a atenção...então o pessoal deu cursos pra esses professores e aí levava esses professores pra outras cidades por exemplo Goiás Velho, Pirinópolis, e eu sempre que podia dava um jeito de ir também, não para fazer o curso regularmente porque eu ainda não era professor, mas já tava me aproximando dessa idéia, desse meio que eram os professores de arte. A Luz Marina a gente conheceu num desses “PCN com Arte” e aí estavam ampliando a coisa dos PRAECS com o projeto de teatro, o projeto de dança, o projeto de música, o projeto de artes visuais...começou a criar esse fôlego e aí surgiram duas escolas, o Rui Brasil e a Guanabara, e aí quando ela propôs pra eu pegar, eu “ôpa é agora”...peguei as duas escolas e comecei a desenvolver o projeto lá. O Nando continuou no Lyceu, e aí a gente se divide um pouco, o Nando no Lyceu, e eu fui pra outras escolas. Isso na verdade meio que ampliou a idéia da gente de estar sempre observando esses alunos e os que se destacavam , os que tinham uma vocação maior a gente convidava pra continuarem com a gente a história do Teatro Ritual. Quando eu vou pro Rui Brasil e o Guanabara, são dois universos completamente diferentes, o que era muito interessante porque era uma escola de periferia num bairro super afastado, uma realidade social super precária, muito carente e o Rui Brasil, que era numa área nobre da cidade, no Setor Oeste, que tinha um perfil de alunos um pouco mais ricos. Então eram universos muito diferentes, e isso tudo me instigava bastante...achava muito interessante trabalhar com essa diversidade, e aí eu tive a idéia num determinado momento de tentar fazer uma ponte entre esses dois universos, do Setor Oeste com o Jardim Guanabara. Comecei a misturar esses alunos, trazer estes mais carentes que nem sequer vinham ao centro nem pra passear. Quando eles vinham pro centro de Goiânia, era como se fosse pra outra cidade, eu botava tudo num ônibus e trazia eles pra cá e a turma daqui levava pra lá. Obviamente foi um período muito fértil né, a gente produziu muita coisa interessante e os projetos dessas duas escolas se destacaram muito, porque a diversidade era muito grande, alunos tinham muita vontade de fazer as coisas e eu muito apaixonado, porque também entrei na faculdade nesse mesmo período... então via muita coisa da faculdade e minha cabeça foi se abrindo muito,. Foi um período realmente muito interessante, a gente fez uns trabalhos nessas duas escolas que se destacaram bastante, e consequentemente os trabalhos começam a se destacar no Ciranda da Arte... nas mostras dos alunos as pessoas achavam muito interessante o tanto de aluno, porque as pessoas tinham muita dificuldade de reunir o grupo pra fazer teatro fora do horário de aula e tinha que dar almoço pra esses meninos, enfim...então eu levei toda a experiência que eu tive no Lyceu com o Nando e a coisa da universidade mais essa relação com a diversidade cultural e social, e isso tudo foram cinco anos de intenso trabalho nas escolas...
( A entrevista continua...)