"O butô trilha um caminho que tenta romper com o enfrentamento de si e se entrega à força do corpo próprio. É uma busca pelo reencontro com um corpo perdido, um corpo que deseja ser ele mesmo, não mais rejeitado e saqueado." Kayo Mikami (2003)

No penúltimo dia de workshop com Natsu Nakajima, no momento de improvisação experimentei coisas movimentos permeados com ações que de alguma forma mexeram com meu intimo mais profundo, me tirando de racionalidade cotidiana e me transportando para um mundo um estado que eu não conhecia em mim, meu corpo sendo ele mesmo dançando o que ele queria. Minha racionalidade como ser humano que pensa ficou a margem para deixar meu corpo dançar e ser. A única coisa que minha racionalidade me fazia me manter ligada era em não deixar esse estado se esvair, deixar esse estado acionado para continuar improvisando os movimentos e as ações que apareciam. Criei uma história particular para poder relembrar o estado as ações e os movimentos que fiz naquele dia, pois, essa técnica de criar histórias, dar nomes as ações e etc... me ajuda a relembrar as coisas que improviso sempre que preciso. Dividirei com vocês a história que criei neste dia.

“Era uma moça jovem que lavava suas roupas na beira do rio. Até que um dia um rapaz se aproximou dela, ela tímida agachada somente troca olhares com esse rapaz e um dia se entrega a esse Rapaz.
Não estava preparada nem para o amor nem para a morte.
O Rapaz a abandonou e ela sozinha abandonada decide se matar”
Dancei nesse dia o se matando, o estar morrendo.

Ilka Portela

Inspirações na Travessia...

No decorrer dessa Travessia que nós do Grupo Teatro Ritual estamos percorrendo, trabalhos maravilhosos e aprendizados preciosos estão surgindo a cada dia. Dentre as fontes de inspiração que contriburam para que isto ocorra, está o intercâmbio que realizamos com a dançarina americana Joan Lagge, em Seattle, nos EUA. Quero compartilhar aqui um pequeno texto das impressões que tive com um dos trabalhos realizados lá:

Exercício da pedra:
 A pedra é o elemento que mais vive e irá viver na face da terra. Apesar de sempre estar no mesmo lugar (se não houver alguma interferência exterior), ela sempre está em transformação, de acordo com o ambiente em que se encontra, o tempo e os outros seres e elementos que a cercam. O corpo do butoh, é como essa pedra, não precisa fazer coisas para se transformar, somente estar a mercê do que vem exteriormente e interiormente. Há também o musgo que cobre essa pedra em certas partes do planeta. O musgo é um elemento vivo, que se alimenta e reproduz. Esse musgo causa interferências na pedra, que muda completamente sua transformação natural. Joan pediu para que dançássemos essa pedra em transformação, com todo o seu peso e tensão. E pediu para que percebêssemos, qual era a sensação de ter percorrido tempos e tempos a fio, carregando todas as lembranças do mundo em seu corpo. Vendo os ancestrais dos ancestrais nascerem e morrerem. Passando por todas as alegrias, tristezas e outros sentimentos que talvez somente elas conheçam. Em algum dos dias que fiz, não me recordo qual, consegui sentir meu corpo todo tensionado, uma sensação de que meus poros estavam mais sensíveis que tudo e percebiam todos os movimentos a sua volta, e a qualquer toque sentia um prazer e uma dor incalculáveis, como se vários falos estivessem entrando em cada um deles. Demorei um pouco para chegar a esse estado, todas as vezes que fazia o exercício somente mergulhava em minha imaginação, e fazia o que imaginava, não dançava as sensações do nada, do não saber o que é a vida de uma pedra no entanto, ser essa pedra. Logo depois Joan pedia para que sentíssemos o musgo que cobria a pedra. Como e seria ter uma vida em cima de mim, fazendo parte de mim, me trazendo outras sensações e prazeres, como dois amantes. A coisa fica mais leve nesse momento, ao menos para mim. Ao invés de sentir a paixão queimando meu corpo, passei a sentir o amor refrescando minha alma. Algo fresco que se espalhava por todo meu corpo e ao mesmo tempo áspero. Corria as mãos por minha pele e sentia que havia me transformado em um monstro, por fora. Após esse momento, do musgo, tentávamos estabelecer relações entre uns e outros, trocando as pedras que carregávamos em nossas mãos. A cada pedra que passava por mim, sentia o calor que o outro havia deixado, daí eu já não era mais a pedra, mas as sensações que ela sentia. Algumas vezes sentia o grupo um pouco disperso e logo me dispersava também. Formávamos um bolo que se transmutava a cada segundo. Um bolo de gente.

Ass: Jô de Oliveira

A PRIMEIRA VISITA AO TEMPLO

Estamos em Tokyo, no Japao, terra dos templos e santuários, dos heróis e Shoguns, do que é milenar e do que ainda será, tudo aqui onde o sol se esconde impressiona. Faz calor, é verão, o pouco ar que circula cheira a peixe...o suor das gueixas espremidas no metro cheira a peixe, o executivo cansado voltando pra casa no ultimo trem cheira a peixe, aos poucos a gente vai se acostumando, a gente vai se acostumando ao silencio quase que absoluto deste povo, para eles o silencio não parece ser algo desconfortável, silencio nas ruas, no metro lotado, nos bares, feiras, no taxi...sempre muito silencio, se ouve o som do estomago roncando atravessando as ruas da Ginza, é um silencio secular, curiosamente coletivo.Coletiva também é a noção de organização, numa cidade tão pequena para tantos habitantes, a organização não é luxo é vital, uma necessidade diretamente ligada a sobrevivência.
O panda do Zoo no parque Ueno está morto, os imperadores também morreram, dos ninjas e samurais restaram apenas peças de vestimentas nos museus.É um povo extremamente ligado a ancestralidade mas que não parece ter medo de caminhar para o futuro. O prédio milenar do teatro Kabuki-za foi recentemente demolido para dar lugar a um gigantesco arranha-céu, mas com orgulho eles declaram “Lá no ultimo andar será o novo teatro, que preservará algumas peças da arquitetura do prédio original.”
Ainda se vêem mulheres e homens vestidos com quimonos e sandálias de palha pelas ruas, misturados aos executivos em terno e gravata, as colegiais de saias pregueadas e meia três quartos, aos new punks e as lolitas com roupas “infantosexys”, aliás o sexo está em toda parte, sexo e consumismo se misturam a todo momento, é moda. No entanto a pornografia é censurada, vem com tarjas borrando os órgãos sexuais, numa estranha tentativa de castração. Sushi quase não se come, é coisa de ocidental, como o natal, andar de sapato dentro de casa, comer de garfo e faca, chegar quinze minutos atrasado, colocar sal na comida e adoçar o chá.
É um povo saudável, na maioria magro mas bem nutrido, de contornos fortes .
Entre todas as riquezas e diversidades deste berço oriental, a que mais nos impressionou não foram os santuários nem os templos budistas, mas sim o templo do “Ultimo Imperador da dança”. Foram quase duas horas de baldeações entre trens e metros para chegar de Tokyo a pequena estação de Kami-hashikawa na cidade de Yokohama, não demora a se perceber que as intenções turísticas vão ficando para trás, as placas indicativas não são bilíngües, o comercio já se faz mais discreto e as pessoas se comportam um pouco mais provincianamente. Escadarias grandes como se imagina que deveriam ser as da igreja do Bonfim, muitos degraus em ruas estreitas construídas morro acima, como as dos morros do Rio, mas pavimentadas, saneadas e abertas para você se perder tranquilamente em segurança as sete horas da noite. Se perder parece ser essencial para se encontrar ali, um mapa que lembra um mapa do tesouro. Encontrar o lugar parece o primeiro teste.E que tesouros poderiam estar ali tão bem escondidos. Lá bem no alto do morro , quase no fim da gigantesca escadaria, a direita de quem sobe, está a casa sem muros, com uma discretíssima placa escondida entre os arbustos indicando: “ Kazuo Ohno Studio“. Uma luz fraquinha na porta que batemos e uma voz que depois fomos saber se tratar do próprio Yoshito Ohno nos indicando que precisávamos continuar subindo, outra escada...e lá bem no alto no morro do morro estava o humilde templo.
No lugar de coroas e espadas, vestidos e flores, fotos, livros e adereços organizadamente amontoados e uma energia, mas uma energia indescritível. A sensação de estar diante do mestre. Sim estávamos ali, eu e Nando na sala onde provavelmente foram criadas as mais belas expressões da história do Butoh.
Yoshito logo chega para dar início ao trabalho do dia. Sua primeira indicação é para olharmos o espaço, não com os olhos, mas sim com o coração, as flores então começam a desabrochar e as pétalas uma a uma levadas ao vento. Poesia pura, lições a respeito das belezas orientais: a neve, as flores e a lua, belezas efêmeras que desaparecem de acordo com as estações do ano, elementos que se vão pouco a pouco num ciclo vital...como se foi Kazuo Ohno, o ultimo imperador da dança. Algumas horas depois o trabalho termina e a gente desce a escadaria quase correndo para não perder o trem de volta, cheios, carregados de inspirações e desejos, rumo ao descanso para no dia seguinte continuar juntos nossa jornada, nossa travessia.

Não importa o tamanho da montanha ela não pode tapar o sol!

04:37 Postado por . 0 comentários
É assim que estamos, subindo a montanha na direção do sol, enfrentando chuvas, tempestade, frio, sol e calor mas sempre ADELANTE uns segurando nas mãos os outros, juntos, unidos, enfrentando mais uma batalha, lutando com nossas espadas de flores, em busca de novas sementes para formarmos o nosso diversificado jardim recebendo as sementes frescas dos grandes mestres, semeando-as com força de vontade e aguando-as com suor.

Ilka Portela sobre o trabalho no Japão.

PARABÉNS, TEATRO RITUAL!
E passamos por mais um Encontro de Atores-Criadores. Este ano na sua sexta
versão, já aconteceu de tudo nos outros anos: mostras de grupos de fora, homenagens a
grupos do estado, oficinas buscando intercâmbio artístico e até orientação do
empresariado sobre investimentos em projetos culturais.
Esse pessoal do Teatro Ritual é muito inquieto, é o que o diga Nando Rocha,
batalhador diário na estruturação do grupo e do trabalho a curto, médio e longo prazo.
Nando às vezes parece captar os talentos e os direcionar, e às vezes parece ir onde é a
fragilidade e dizer, você tem que aprender a fazer isso. Pablo com suas soluções
mediadoras e sábias e sempre pronto para o trabalho. Ilka a que se dispõe a se
comunicar com todos e a salvar a coisa onde quer que ela esteja. Jô que sai arrumando,
organizando, e dando ordem na casa e em quem estiver parado. E o grupo vai junto,
sempre acreditando, cada um com suas qualidades específicas também no trabalho de
ator.
Tenho sorte por poder sentir de perto essa busca constante e esse ambiente
aconchegante...de afeto, de amor. Briga todo mundo briga, até mesmo para resistir. Acho
mesmo que um dos lemas mais importantes do grupo é esse: Resistência!
Resistir muitas vezes não é bater de frente, é ir andando como a água, passando
por entre, ao redor...CRIATIVAMENTE...talvez por caminhos não antes trilhados. Mesmo
que o outro resista em ser amado, eu resisto a isso. E é um amor pela cidade, um amor
pelos colegas, uma vontade louca de compartilhar!
Parabéns, Teatro Ritual, por tudo!
Andrea Pita
ATOR-CRIADOR
Ator-criador me remete primeiro à Commedia dell´Arte. Diz-se que é o primeiro
momento na história em que há a profissionalização do ator. Ele vive disso e pronto.
Quem assistiu “A viagem do Capitão Tornado” de Ettore Scola, história de uma
troupe de Commedia dell´arte que perambula pela Europa, percebe o quanto a vida se
misturava com a arte e que os atores criavam repertório corporal, vocal e de piadas,
chistes e gags para as apresentações durante as longas viagens de carroça.
Lembro-me de Tiche Vianna na Unicamp falando desse momento quase lendário
que aconteceu nas feiras do século XV. O cara deixa de vender alimentos ou objetos e
passa a vender a si próprio, a sua habilidade com malabarismo, com acrobacia, de fazer
rir ... e sempre dar um jeito de chamar mais atenção que o outro da carroça ao lado. Daí a
arte – técnica - tinha de ficar cada vez mais interessante. E tinha de ser aprimorada, o que
levava tempo, levava a vida. A arte é longa, a vida é breve.
E dizem q determinadas famílias guardavam a 7 chaves os segredos da Commedia
italiana. Como nas famílias circenses, passava-se este saber, este conhecimento de pai
para filho. Talvez Dario Fo não fosse Dario Fo sem ter se casado com Franca Rame,
herdeira de uma dessas famílias dell´Arte. E não é que ele ganhou o Prêmio Nobel de
literatura com o livro “Manual Mínimo do Ator”, no qual ora fala das especificidades de
Pulcinella, ora descreve um lazzo, ora põe artifícios da Commedia em personagens de
outra procedência?
Dario Fo conseguiu através do livro tornar mais acessível aquele modus operandi,
ao qual não se chega somente através de roteiros nem de descrições psico-corporais de
tipos como Arlecchinno, Brighella, Pantallone...Afinal foram anos, séculos de construção
de conhecimento. Improvisações sobre improvisações, coleta de repertório, descoberta
dos momentos exatos de funcionamento das piadas, o risível onde não se imaginava, a
criação a partir do que deu errado – quem se lembra do momento de estréia do novo
Capitão Tornado no filme?
Os atores da Commedia não criavam numa sala de ensaio como hoje, mas no dia-
a-dia da vida andante. E roteiros e textos são simplórios diante de todo o arsenal técnico
de comicidade que eles desenvolveram. Penso que este pode ser considerado um tempo
mítico para os atores-criadores.
Andrea Pita
VI ENCONTRO DE ATORES-CRIADORES E EDUARDO OKAMOTO
Este ano o VI Encontro de Atores-Criadores fez uma parceria com Eduardo
Okamoto através do projeto “10 Anos por uma Escrita do Corpo”.
Indicado ao Prêmio Shell 2009 como Melhor Ator, seus espetáculos foram
apresentados em diversas cidades do país e também no exterior: Espanha, Suíça,
Kosovo, Marrocos. Mestre e doutor pela Unicamp, consegue aliar uma importante vida
artística com rigorosa reflexão intelectual a partir de uma pesquisa empírica de ator-
criador.
Okamoto já havia participado de outro encontro com espetáculo, mas este ano ele
trouxe 3 espetáculos, dois como ator e um como diretor, fez uma palestra-demonstração e
deu um workshop na Faculdade de Artes Cênicas da UFG.
Andrea Pita