Entrevista de Nando Rocha, fundador do Teatro Ritual(por Andrea Pita)

A . P. : Nando, qual o ideário do Teatro Ritual e como é alimentar esse ideário
sobre qual ideário o Teatro Ritual foi formado

N. R. :Pra mim, e acredito que a gente tenta estender isso pra todos os integrantes, é de criar um teatro transcendental, um teatro que transforme as pessoas de alguma forma, que ela entre numa sala de espetáculo de uma forma e saia de outro, saia transformada. Uma coisa que move muito a gente é o desejo de transcender os nossos próprios limites, as nossas deficiências, as nossas fraquezas, as nossas limitações, que possa transcendê-las, tranpô-las com o corpo e que isso de certa forma se transforme numa estética, numa forma de arte, o que pode ser conferido nos espetáculos da Trilogia Travessia, onde eu e o Pablo estamos ali lidando com várias questões pessoais, a gente tenta então universalizar e dividir essas questões através do nosso corpo, da nossa expressão, da nossa energia. Então o que a gente procura, o que nos move a continuar pesquisando é um desejo de encontrar uma nova forma de comunicação com as pessoas, uma comunicação que vá além do verbo, vá além da retórica, além do discurso pra chegar mais próximo de um contato energético, um contato mais tácito com as pessoas, que perpasse os sentidos, a energia, a fisicalidade, e através da fisicalidade chegar nesses outros canais de comunicação.

A . P. : Como você se interessou por teatro? Como tudo começou?

N. R. : Eu no início queria muito fazer cinema, era o meu sonho fazer cinema, sou um apaixonado por cinema...ainda sou um cinéfilo, um amante mesmo da sétima arte. Eu quando pequeno tinha o que, uns dez anos, eu brincava vendo - meu pai não tinha condições de comprar uma câmera - então eu olhava no espelho, olhava pelo espelho vários movimentos de câmera, angulações e tal, imaginando, brincando de cinema com um espelhinho. Com o tempo eu fui percebendo que estudar cinema era uma coisa cara e impossível de acontecer naquela época em Goiânia, eu teria que me mudar pra outra cidade, teria que haver um investimento da minha família pra eu poder morar noutra cidade, pagar um curso e aprender. Então eu fui aos poucos descobrindo a possibilidade do teatro, na escola, com alguns amigos, professores e comecei a experimentar de forma muito autodidata, sem instrução, sem saber como fazer direito. Então a gente juntava os amigos, escrevia, desde o início eu escrevia textos, os meus próprios textos, porque eu não sabia nem onde conseguir os textos teatrais...a gente escrevia o texto, ía e fazia de forma completamente amadorística na escola, e foi daí que tudo começou, essa centelha foi explodindo. Aos poucos eu fui conhecendo, eu ía nas bibliotecas, e lia um autor e outro. O primeiro foi Stanislavski, tinha livros dele aqui em Goiânia...é importante frisar que aqui em Goiânia no final da década de 80 e início da década de 90, tinha uma deficiência muito grande de informação sobre o teatro nas bibliotecas, tinha poucos livros e não tinha uma faculdade de artes cênicas aqui. Os cursos que tinham eram os cursos livres de teatro, e eram no Veiga Valle, que eu saiba, no Centro Livre de Artes - isso eu to chutando - mas eu sei que sempre tinha no Veiga Valle, e sei que tinha no Cefet, com o Sandro di Lima. Tirando isso tinham os grupos que faziam teatro, que eu não conhecia também, que fui conhecendo bem aos poucos. Logo eu conheci o Samuel Baldani, que dava aula na Católica e através dele conheci o Eduardo de Souza, que fazia parte da Casa do Teatro, e lá foi minha primeira experiência assim com aula de teatro. A gente fazia teatro intuitivamente, devia ser terrível mas era uma coisa espontânea, um menino de 12, 13, 14 anos, brincando de fazer teatro na escola, com os amigos. E logo eu comecei a estudar Stanislavski, destrinchei “A preparação do Ator”, inclusive eu desenhava meus estudos, transpunha pra desenho, porque eu gostava muito de desenhar nessa época de infância - inclusive eu achei que ía enveredar pras artes visuais, pras artes plásticas, mas uma professora no Veiga Valle me fez desistir disso também. Eu comecei a fazer aula, e a desenvolver uma técnica que ela tava ensinando e a metodologia dela era através da observação de um vaso...a gente pintava vários vasos, flores e tal, só que eu era muito impaciente, aprendia mais rápido e já fazia e queria ir pra frente, e ela não queria, queria que eu acompanhasse a turma e começou a ser um pouco autoritária, de forma que assustou e eu saí, parei de desenhar, e fui começando a brincar de fazer teatro. De lá pra cá fui estudando, estudando, aprendendo, fazendo cursos...eu lembro que a primeira oficina que eu fiz de teatro foi no Martim Cererê com o Mauri de Castro, que foi uma experiência incrível. Eu já tinha estudado exercícios de teatro em livros e já tinha tentado aplicar em mim mesmo e em colegas de teatro na escola, e aí eu ter um professor e fazer uma oficina com ele foi muito bom. Lembro que ele parecia uma pessoa mística, tinha uma técnica de pegar na gente e dar choque, e aquilo me impressionou assim, não sei como que ele faz mas ele falava “vou te dar o choque você quer?” E eu: “Vai, dá o choque”, e aí ele me dava o choque. Já foi minha primeira experiência com energia(rsrs), energia física no próprio corpo. Até hoje não sei, tenho que descobrir com o Mauri fazia isso, que eu não aprendi.

A . P.: O que em teatro te entusiasmou quando você assistiu?

N. R. : O primeiro espetáculo que eu vi, que mexeu comigo, que eu pensei é isso que eu quero fazer, foi o “Martim Cererê” do Marcos Fayad. Eu assisti no Teatro Goiânia, era uma remontagem já, porque ele montou bem antes, quando eu era bem novinho, depois ele remontou na década de 90 e eu assisti. Era um teatro físico pra mim, não sabia o que era, não conhecia esse termo, mas eram vários atores fazendo índios e não tinha uma fala...eu lembro até hoje assim de como eu me emocionei, de como eu me arrepiei, de ver aquela sequência de cenas, de como ele construiu aquilo. Os atores faziam círculos e faziam rituais de índios e tal, depois o espetáculo foi evoluindo até chegar na urbanidade, na cidade e tal, aí começavam a entrar os textos, mas a maior parte do espetáculo era assim físico, era uma representação mais visual, pelo menos foi o que ficou na minha memória, o que marcou, e eu não conhecia o Marcos Fayad, não sabia quem era, nada...devia ter 15, 16 anos e foi uma experiência assim marcante, das primeiras coisas que eu vi. Depois fui abrindo meus horizontes pra outras referências, até que surgiu o Lume, que foi completamente arrebatador pra mim. Eu lembro que lá em Campinas eu assisti um espetáculo do lado da Ana Cristina do Zabriskie, o “La Scarpetta”, que era um solo de palhaço do Ricardo Pucceti. Eu fiquei completamente arrebatado, porque era o tipo de teatro que eu queria fazer desde sempre, era mais que teatro, não sabia se devia chamar aquilo de teatro, pra mim era um ritual, próximo do que eu queria fazer. Era esse o objetivo de colocar esse nome de Teatro Ritual, pra que fosse uma celebração, um encontro transcendente, e isso eu senti mesmo com o Lume. Entre a pessoa que tão no palco e as pessoas que tão assistindo, era como se eu testemunhasse um ato xamânico, de cura de alguma forma, que resumia tudo o que eu gostaria de fazer um dia no teatro, então pra mim foi uma experiência fantástica ver pela primeira vez...depois a gente trouxe eles aqui, eu vi todos os espetáculos e o trabalho deles me encantou profundamente, deu uma inspiração enorme, sabe, pra gente, o suprassumo assim do que a gente busca. E aí depois eu vi muitas outras coisas de espetáculos de mímica, espetáculos fora daqui , né, em São Paulo, na Itália, na Alemanha a gente viu umas performances também, em Brasília a gente viu um espetáculo de mímica com um grupo que se chama Black Sky White, o espetáculo se chamava “Bertrand Toys”, “Os brinquedos de Bertrand”, que era um espetáculo um pouco sombrio, causava sensações profundas na platéia. Eu gosto disso, eu gosto de espetáculos que mexem com as sensações, provocam sensações boas ou ruins, mas que interferem em alguma coisa, que eu não assisto confortavelmente da poltrona.
(a entrevista continua...)

Entrevista com Pablo Angelino, integrante e co-fundador do Grupo Teatro Ritual (por Andrea Pita)

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A.P.: Pablo, como você começou no teatro e como foi esse momento em que você e Nando se conheceram? E a formação do Teatro Ritual?

P.A.: Eu era aluno do Lyceu, o Nando tinha uns amigos e eles começaram a fazer trabalhos com o teatro. A maioria dos trabalhos eles faziam apresentações e isso começou a fazer um burburinho na escola. Então eu já gostava de fazer teatro, já fazia teatro na escola em que eu estudava antes
e tava procurando onde tava o meio cultural, o meio artístico da escola. Então
na minha turma tinha a Tâmara, que foi uma pessoa importante nesse momento. Ela era uma amiga comum e disse ah tem o pessoal aqui na escola, o Ruber e o Nando que fazem teatro. A gente foi apresentado e eles tinham um projeto de montar um espetáculo, que falava sobre a coisa da Aids na época, e aí tinha um monte de gente envolvida. Eu achei isso uma coisa muito interessante, o texto era uma coisa muito legal, chamava-se “Pelos gritos do sangue”, escrito pelo Nando e pelo Ruber. Eu me identifiquei. Tinha a idéia de um cara contrair a doença mas ele achava que aí ele era um vampiro, idéia super-louca. Isso me seduziu, falei ótimo, achei minha turma aqui. Só que a gente começou os ensaios, tinha uma galera assim de 30 pessoas que não fazia teatro, uma zona. A galera chegava no auditório pra ensaiar e colocava o “Raimundos” e começava a dançar e trocar idéia. E aí eu pensei, ué mas e aí, cadê a coisa acontecendo? A gente ía ensaiar na casa do Miguel, que o Miguel morava perto da escola na época. Na verdade não era um ensaio, era uma celebração, era uma farra. Resultado: não saiu o espetáculo. Eu lembro até que o menino que fazia o personagem principal – teve um teste lá pra seleção do elenco e tal - e esse menino que fazia o personagem principal que era portador de aids, era portador de aids na vida real e ele falou isso. E aí ficou um clima porque ninguém tava preparado, aquela coisa, todo mundo na curtição e não sei o quê e aí o cara assume ai eu sou portador de aids . Enfim, faltou ali um método e o que era pra acontecer não aconteceu, ficou aquela coisa dos amigos se encontrando no final de semana, e aí rolou toda uma frustração, né... então eu falei não era essa galera que eu queria fazer teatro porque eles são mais a fim da curtição e tal. Me distanciei deles e fiquei com uma certa mágoa também,porque eu queria muito fazer a coisa e senti que eles não tavam prontos pra conduzir. Logo surgiu uma professora de teatro na escola, a Adriana Araújo, ela era do Guará. Aí ela tinha um contato com algum professor lá do Lyceu e rolou a coisa dos PRAECS, dos projetos nas escolas, e ela passou na minha sala. Quando ela passou, ela falou - olha eu vim aqui pra chamar pro curso de teatro não sei o que...Quando ela saiu eu lembro que o professor que tava lá, que era um professor de Biologia muito descolado que eu respeitava muito, soltou a frase, falou gente aproveita essa oportunidade porque numa escola pública ter um professor de teatro assim, podendo fazer de graça não é sempre, não é em qualquer escola. E realmente não era. Então eu juntei uma galera que tava lá, meus amigos, falei vamu vir hoje à tarde. Nós fomos, aí ela veio com todo um método que ela tava fazendo no Guará, estudando no Guará, na época tinha o Lau, a Karine Frattari, eles tavam fazendo o “Auto da Compadecida”, tavam treinando muito teatro físico, então ela tava estendendo isso pros alunos da escola. Ela traz essa técnica teatral - e até então eu sempre fiz teatro intuitivamente, vi que os meninos também faziam com essa intuição, e chega a Adriana colocando uma técnica né - técnicas vocais, técnicas corporais que ela trazia da Universidade Católica, do trabalho que ela fazia com o Samuel Baldani. Isso me encantou, adorava ir pras aulas e tal, então eu comecei a fazer parte desse grupo que era o grupo da Professora Adriana na escola, e tinha o grupo do Nando, o “Ritual Cia Cênica ' na época, e a gente meio que tinha uma rixa assim na escola, que era uma coisa super saudável na época, uma concorrência saudável, porque eu tinha passado pelo grupo Ritual, onde tava surgindo essa idéia de ritual, e tinha visto que não tinha essa metodologia, essa técnica e tava estudando com a Adriana e vi que tinha uma coisa mas o que aconteceu foi que o Nando e o Ruber começaram a organizar essa história do grupo, tiraram um monte de gente da história e ficaram fazendo teatro o Nando, o Ruber e a Maira praticamente. Eles começaram a estabelecer essa formação do grupo na época, e eu fazia teatro com a Adriana. Então tinha esses dois grupos na escola: o oficial, que uma professora coordenava e tal, e tinha o grupo dos alunos, que eles tinham uma liberdade ali na escola. E aí logo rolou uma história de eles precisarem substituir um ator, num espetáculo que eles tavam montando, o Nando e o Ruber, que era já a idéia do Ritual, então eles tavam ensaiando o espetáculo. Eles tinham essa autonomia na escola, até cobravam ingressos dos alunos, o que funcionava meio como um salário, era uma coisa bem interessante como a coisa começou a se estabelecer e que parte dessa época...mas eles começaram a fazer uma peça que se chamava “Pintou um clima”, que era uma peça sobre os adolescentes que se conhecem numa festa e tal e aí depois tinha um casamento... e aí o que aconteceu foi que a atriz principal inflamou a garganta, uma faringite, e ela fazia parte de uma seita, uma religião em que não podia tomar remédio. E aí no dia da apresentação, a mãe dela liga falando olha ela não vai poder ir hoje, não vai poder que ela tá com a garganta inflamada e ela não pode tomar antibiótico... e os alunos já tavam fazendo uma fila pra entrar e assistir o espetáculo. Daí eles foram, o Nando e o Ruber, lá na minha sala e falaram – olha, tem um personagem que é uma ponta, se você puder fazer...que aí a gente coloca um ator, que era o Ruber, pra fazer o personagem dela e você faz o padre, que só aparece no final. Foi dito e feito, o Ruber se traveste de mulher e faz o personagem principal que a Maira fazia, e eu fiz o final. Peguei o texto rapidinho e montei uma coisa, pra ajudar eles né? E o Ruber falou depois que ele sonhava que isso ía acontecer, e aconteceu de fato, e aí eu achei super interessante isso tudo, achei interessante pegar assim o personagem e montar, pegar as técnicas que eu tinha aprendido lá com a Adriana, de projeção vocal e tal. Aí a gente começa a estreitar a relação de novo. Depois do “Pintou um clima”, pintou um climão, a Maira não foi e tal e aí ela teve que se afastar, então eles pensaram em montar um espetáculo, o Ruber e o Nando, e aí me convidaram pra participar. Era “Os Tufos”, que eram três personagens estraterrestres que estavam decidindo o futuro da humanidade, e eles íam escolher se o mundo ía acabar, se o mundo não ía acabar, rolava aquela coisa do ano 2000, da virada do milênio... então o espetáculo chamava “Tufos, o destino do homem após o ano 2000”, uma coisa assim. E tinha umas idéias super legais que me inspiravam pra caramba, e aí eu fui e entrei nessa história, comecei a ensaiar com eles e aí que a minha história com os meninos, o Nando, o Ruber e o Teatro Ritual começa a se estreitar um pouco mais, com essa montagem dos “Tufos”. É também um momento em que o curso infelizmente acaba, o curso que eu fazia lá com a Adriana. O contrato dela vence, aí ela me chama pra participar do Grupo Guará. Aí eu começo a frequentar o Guará, mas não mais como aluno da Adriana, mas como um estagiário, vendo e fazendo parte dos treinamentos...o Lau Carvalho na época puxava umas coisas super bacanas, muito legais, e aí fui me tornando mais independente de professor.

A.P.: Quando você deu apoio pro Nando no Lyceu, ele já era professor? Como isso se dava?

P.A.: Era uma coisa muito interessante porque a gente saiu do Lyceu e aí a gente se formou e tal, mas a gente ainda teve uma abertura porque o diretor que entrou no Lyceu, ele super queria que a história do teatro continuasse ali. A Adriana, que era a professora... bom, houve uma fatalidade, ela foi assassinada pelo namorado e tal...mas ele queria que continuasse o professor de teatro e o Nando, como já encabeçava a história do grupo ali, propôs pro diretor, o Miguel, e ele falou “claro, pode continuar por aqui” e a gente meio que continuou com a sede do grupo lá no Lyceu. A gente saiu do Lyceu durante um ano foi quando a gente se formou. Aí ficou no Jaó, na casa do Nando.
Depois o Nando foi contratado pelo Lyceu e a gente voltou pra lá. Eu saí do grupo Guará, e nisso meio que tava só eu e o Nando tocando a história do grupo... o Ruber foi atrás de uma história pessoal e tal, a Maira também... então a gente não tinha atores, tinha várias idéias e tal. Então quando o Nando começa a dar aula, a gente vê esse potencial de de repente trazer esses alunos que faziam aula com o Nando, e aí a gente escolheu umas pessoas para montarem um espetáculo com o grupo. Então durante as aulas eu meio que acessorava o Nando... ele dava as aulas mas eu sempre tava acessorando ele, e das aulas a gente foi convidando os alunos, por exemplo o Paulinho...a gente foi convidando eles para fazer parte do Teatro Ritual. Então aí fica bem misturado a questão do Nando como professor e eu como esse estagiário, esse acessor dele dentro do Lyceu e essa ponte que era esse grupo de alunos para o Teatro Ritual, as coisas começam a caminhar um pouco juntos ali. A gente dava aula de manhã, tinha um horário que as turmas da escola inteira íam para fazer teatro...era muita gente na época, o Lyceu tinha muito aluno, a gente tinha que dividir todo mundo em umas duas ou três turmas, e a gente dava aula o dia inteiro pra elas... e ainda tinha um horário que era um horário pro grupo e que a gente convidava alunos dessas três turmas pra participar de um núcleo comum, que era o núcleo de produção, que era o Teatro Ritual.

A.P.:
E aí depois você também passou a ser professor, não é? Queria que falasse um pouco disso, e de quando você montou as peças com os alunos e houve prêmios na história...

P.A.:
Essa história da educação vai...então, quê que acontece...eu não era professor efetivamente, o Nando tinha um contrato lá no Lyceu e eu não, então eu auxiliava ele, e essa coisa do professor de teatro na escola não era formal...aí paralelamente tá rolando na cidade a coisa da estruturação na educação da coordenação de artes no Estado, que era o Ciranda da Arte. Então quando o Ciranda tá nascendo e descobre o trabalho do Nando lá no Lyceu, então eles falaram ó vc é o professor de teatro aqui, e tem o professor de dança, o de música, então vamos unir esses professores e fazer uma reorientação, uns cursos... e aí começa a ter a coisa dos PCNs e isso tudo a Luz Marina coordenando. A idéia do Ciranda da Arte, que nasce, que surge dessa coordenação dos professores de arte, então começa, o que foi muito importante. Então o Nando começa a fazer esses cursos de formação, que eram muito interessantes, o PCN com Arte, a idéia dos PCN, os Parâmetros Currriculares Nacionais. Pra escola os parâmetros em arte eram muito interessantes...eu achava muito legal, porque a gente dava aula assim muito intuitivamente e aí saber que tinham esses parâmetros que estavam sendo implantados nas escolas chamou muito a atenção...então o pessoal deu cursos pra esses professores e aí levava esses professores pra outras cidades por exemplo Goiás Velho, Pirinópolis, e eu sempre que podia dava um jeito de ir também, não para fazer o curso regularmente porque eu ainda não era professor, mas já tava me aproximando dessa idéia, desse meio que eram os professores de arte. A Luz Marina a gente conheceu num desses “PCN com Arte” e aí estavam ampliando a coisa dos PRAECS com o projeto de teatro, o projeto de dança, o projeto de música, o projeto de artes visuais...começou a criar esse fôlego e aí surgiram duas escolas, o Rui Brasil e a Guanabara, e aí quando ela propôs pra eu pegar, eu “ôpa é agora”...peguei as duas escolas e comecei a desenvolver o projeto lá. O Nando continuou no Lyceu, e aí a gente se divide um pouco, o Nando no Lyceu, e eu fui pra outras escolas. Isso na verdade meio que ampliou a idéia da gente de estar sempre observando esses alunos e os que se destacavam , os que tinham uma vocação maior a gente convidava pra continuarem com a gente a história do Teatro Ritual. Quando eu vou pro Rui Brasil e o Guanabara, são dois universos completamente diferentes, o que era muito interessante porque era uma escola de periferia num bairro super afastado, uma realidade social super precária, muito carente e o Rui Brasil, que era numa área nobre da cidade, no Setor Oeste, que tinha um perfil de alunos um pouco mais ricos. Então eram universos muito diferentes, e isso tudo me instigava bastante...achava muito interessante trabalhar com essa diversidade, e aí eu tive a idéia num determinado momento de tentar fazer uma ponte entre esses dois universos, do Setor Oeste com o Jardim Guanabara. Comecei a misturar esses alunos, trazer estes mais carentes que nem sequer vinham ao centro nem pra passear. Quando eles vinham pro centro de Goiânia, era como se fosse pra outra cidade, eu botava tudo num ônibus e trazia eles pra cá e a turma daqui levava pra lá. Obviamente foi um período muito fértil né, a gente produziu muita coisa interessante e os projetos dessas duas escolas se destacaram muito, porque a diversidade era muito grande, alunos tinham muita vontade de fazer as coisas e eu muito apaixonado, porque também entrei na faculdade nesse mesmo período... então via muita coisa da faculdade e minha cabeça foi se abrindo muito,. Foi um período realmente muito interessante, a gente fez uns trabalhos nessas duas escolas que se destacaram bastante, e consequentemente os trabalhos começam a se destacar no Ciranda da Arte... nas mostras dos alunos as pessoas achavam muito interessante o tanto de aluno, porque as pessoas tinham muita dificuldade de reunir o grupo pra fazer teatro fora do horário de aula e tinha que dar almoço pra esses meninos, enfim...então eu levei toda a experiência que eu tive no Lyceu com o Nando e a coisa da universidade mais essa relação com a diversidade cultural e social, e isso tudo foram cinco anos de intenso trabalho nas escolas...

( A entrevista continua...)

Entrevista com Luz Marina Alcântara (por Andrea Pita):

Neste mês de março, o Teatro Ritual comemora seus 15 anos de existência, motivo pelo qual o blog disponibilizará entrevistas com o grupo ou com pessoas que foram importantes ao longo dessa trajetória. A primeira a ser entrevistada é Luz Marina de Alcântara, diretora do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte. A convivência entre Luz Marina e Nando começou ainda na época em que este era professor do Lyceu. Nando lutava pelo teatro na escola e, se fosse necessário, falava com os professores de matemática, português e outros para que houvesse uma avaliação conjunta e o teatro fosse levado a sério. Luz Marina, por outro lado, ocupava-se intensamente com a arte nas escolas do Estado, em suas quatro linguagens. O Teatro Ritual, desde que foi criado, sempre lutou para fazer acontecer. Nesse sentido, propunha cursos em Goiânia, em outras cidades ou Estados, trazia pessoas importantes às áreas para que o grupo e a cidade pudessem “reaprender” o teatro. Por sua vez, o Ciranda da Arte, como Centro de Estudo e Pesquisa, desde seu início congrega pessoas, professores ou artistas que acreditam na formação continuada como fundamental em um mundo em constante mudança e necessitado de maior humanização. A parceria não ocorreu por acaso. Nando e Luz Marina, ao longo desses anos, foram se reconhecendo cada vez mais: Nando leva muito a sério o projeto do Teatro Ritual, enquanto Luz Marina demonstra essenciais conhecimentos, valorizando e dando o suporte necessário para respaldar o projeto, tanto no Ciranda quanto fora dele.

Mas vamos à entrevista:

Andréa Pita: Luz Marina, pelo que me recordo, Nando disse que vocês se conheceram no “PCN com arte”, o primeiro projeto grande de formação de professores de arte no Estado, realizado em parceria com o governo federal. O projeto tinha vários módulos e professores de várias modalidades de arte participaram. Como foi isso?

Luz Marina: Antes do “PCN com arte”, assim que eu assumi a Subsecretaria Metropolitana, tentamos organizar todas as áreas da arte. Naquela época, entrei para coordenar os projetos de Coro e de Banda que já existiam nas escolas, mas assim que eu cheguei na Metropolitana, descobri que também havia um trabalho já começado nas escolas com teatro. Numa dessas escolas, que era o Lyceu, estava o Nando como professor de teatro e ele e outros colegas até tinham realizado alguns festivais envolvendo as escolas que participavam, que eram o Lyceu, o Pré-vestibular que hoje é o Pré- universitário, o Jardim América. No Pré-vestibular estava o Eduardo de Souza, no Jardim América estava o Adélcio e tinha o Júlio no Goiany Prates. A Secretaria já tinha esse projeto acontecendo em quatro escolas; isso foi mais ou menos em 1998, 1999, quando eu entrei na Metropolitana e, em 2000, nós realizamos o referido projeto. A Superintendência de Ensino Fundamental recebeu um projeto diretamente do MEC, para formação de professores da área de arte e esta formação se chamava “PCN com Arte”. E, nessa época, nós levamos para essa formação 120 professores do Estado; essa formação foi feita nas áreas específicas, com 30 professores de cada uma das áreas: 30 para Música, 30 para Dança, 30 para Artes Visuais, 30 para o Teatro e, essa turma, nesse momento do “PCN com Arte”, eu passei a conhecer melhor os professores que já estavam trabalhando na respectiva área nas escolas, não só em Goiânia, como também em todo o Estado. Esse projeto chegou, foi desenvolvido em 3 ou 4 estados. Foi um projeto, um piloto feito nessa formação. Os outros estados, que fizeram o “PCN com Arte”, foram Acre, Mato Grosso do Sul e Bahia. Foi um curso muito legal. Quem trabalhou com o teatro, juntamente aos professores, foi a Rô Reis, de Salvador. E ela deu um presente para os professores que fizeram a formação em teatro, que foi uma viagem, à Bahia, com estadia paga. Nesse sentido, a Secretaria da Educação bancou a viagem a Salvador, concedendo um ônibus. O evento que lá seria prestigiado era o Mercado Cultural, o qual acontece naquela capital. E nós estivemos, então, com os professores que fizeram o “PCN com Arte”, durante uma semana, neste evento. E aí houve uma integração maior entre os professores da área de teatro. Tanto é que o projeto de teatro se expandiu a partir dessa formação. Foi assim que eu conheci o Nando; nessa época, não tínhamos o Pablo conosco ainda. Pablo veio depois. Foi pelo Nando que nós o conhecemos, porque o Nando foi para formação e eu fiquei sabendo, posteriormente, que o Pablo também estava na cidade, embora não estivesse no hotel com nossa turma. Mas ele estava na cidade, acompanhando também a nossa formação.

A.P.: E o Pablo? Como você veio a conhecer melhor o trabalho dele? Parece que ele trabalhou um tempo na escola do Jardim Guanabara, onde conseguiu dois prêmios para o grupo da escola, ganhando para aquela unidade computadores, verba. E só depois que entrou para o Ciranda. Como se deu esse fato?

L.M.: Na Secretaria, em 2000, no final dessa formação, surgiu uma proposta da Superintendência que se chamava “Escola em Movimento”, a qual, atualmente, denominamos PRAEC. Na verdade, foi quando se criou o PRAEC, que eram os projetos que os professores desenvolviam no contraturno do aluno, com a finalidade de aprofundar o conhecimento discente na área. Então, nessa época vários professores de teatro foram contratados para as escolas, haja vista que não tínhamos, na rede, professor efetivo de teatro. Foi a partir daí que aconteceram as contratações e, assim, o Pablo foi enviado ao Colégio Jardim Guanabara. E ele fez um trabalho muito bacana, maravilhoso. Eles participaram de um concurso, que eu não me lembro bem, mas parece que era proposto pelo Banco do Brasil... Enfim, era um concurso feito diretamente com as escolas e era como um festival. O Colégio Guanabara participou e ganhou prêmios, no entanto, não sei detalhar com precisão. Desse modo, a partir do concurso ele foi mais direto com a escola, mas não por meio da Secretaria. Eles foram premiados e a partir de então eu conheci o trabalho do Pablo, que eu gosto muito, bastante mesmo. Portanto, o Ciranda da Arte foi resultado das formações que fizemos, no período compreendido entre 2000 a 2004, estivemos sempre trabalhando com os professores da área de arte, o qual resultou na criação de um Centro de Estudo e Pesquisa na área de Arte. Foi quando eu trouxe o Pablo e o Nando para fazerem parte de nossa equipe, para somarem esforços na formação dos professores e, posteriormente, eles se engajaram na área de produção artística, uma vez que nós também temos esse lado bem difundido no Ciranda, que são os grupos de produção. E, hoje, temos a “Trupe dos Cirandeiros”, da qual o Nando, o Pablo, a Ilka e a Jô fazem parte.

A.P.: Como se iniciou essa história do grupo de produção?

L.M.: Durante o momento da reorientação curricular, nós trabalhamos com os professores aqui de Goiânia, sobretudo com aqueles que têm mais acesso ao Ciranda da Arte. Mas, além disso, fizemos um trabalho com os professores do interior de todo o Estado de Goiás. E, nessa demanda da reorientação fora do Ciranda, centramos nosso trabalho em Pirenópolis; foi um momento que encontramos não dentro da reorientação, mas também dentro do pensamento de orientação dos professores, em Caldas Novas, para onde levamos o grupo de produção para se apresentar. Esse foi um momento muito importante para os professores que moram fora de Goiânia e que não têm muito acesso ao teatro, à arte, enfim. Muitos infelizmente não têm esse acesso e, desse modo, foi bastante enriquecedora a apresentação do Grupo de Produção, que pôde mostrar seu trabalho, seu trabalho de criação e também o resultado de seu trabalho. Percebemos, ademais, que isso motivava os professores a também buscarem formar seus grupos nos seus locais, nas suas cidades; funcionou, na verdade, como uma injeção de ânimo aos professores, o que contribuiu positivamente na efetivação desse trabalho.

A.P.:A partir de então, o Pablo chegou a coordenar o trabalho de teatro no Ciranda?

L.M.: O Pablo esteve na coordenação do teatro dentro dessa questão da formação dos professores. Quando nós começamos o Ciranda, em 2004, tínhamos um coordenador, que era o Adélcio. Daí, quando ele se mudou sentimos a necessidade de buscar o Pablo para a coordenação desse grupo. E em nenhum momento houve uma ruptura, porque o pensamento continuou, o pensamento do teatro na educação. A busca de compreensão desse processo de criação, voltado para a escola, não teve nenhuma quebra. O Pablo até, de certa forma, ampliou a possibilidade de as escolas participarem do projeto, concedendo a elas o apoio devido, nesse momento. E os diretores das escolas sempre buscam as apresentações de teatro, considerando que as crianças e os adolescentes gostam muito de assistir apresentações de teatro. Às vezes, fico questionando com os meninos do Coro que precisamos pensar um repertório para atender os jovens, já que nosso repertório está mais para o professor. Temos, sim, um trabalho voltado às crianças, porém não um mais direcionado aos jovens. Ainda nesse ano o Coro pretende disponibilizar um repertório que os atenda mais diretamente. Isso é muito importante. Mas o teatro cobre esse lado. Quando o evento da escola é para os alunos do ensino médio, a gente pensa logo no teatro, pois há uns quadros muito interessantes e que falam a linguagem dos jovens.


(A entrevista continua...)