A . P .: Os atores do Grupo Teatro Ritual te consideram como seu primeiro mestre, por lhes apresentar - Nando tinha 16 anos e Pablo 14 - uma outra postura diante do teatro e novos autores para eles ainda desconhecidos como Eugênio Barba, Grotowski e Artaud. Você indicou seus livros e logo estes se tornaram referência para seus trabalhos. Como você vê essa influencia?
S. L.: Na escola, o professor de teatro é professor de encenação, de interpretação, de dramaturgia, de análise de texto, e de todas as linguagens complementares que fazem acontecer o espetáculo. Se você não pensa na perspectiva do espetáculo, é muito difícil você manter o interesse do adolescente e a continuidade dele no projeto. E se você não dispõe de uma fruição de fato, se você não dispõe do requinte dos espetáculos, você tem que construir uma referência, senão o aluno acaba tendo apenas as referências do que assistiu. Pra sair da teledramaturgia, da novela, ou do cinema fácil e tudo o mais, você tem que possibilitar um outro olhar pra ele, e seduzí-lo pra esse outro olhar. E você tem que se valer mesmo de algumas magias que o teatro felizmente proporciona, como os encenadores do séc XX, os trabalhos que foram feitos e mostrar pra eles que aquelas perguntas internas deles em relação às próprias angústias fazem parte da escrita de um punhado de autores e encenadores que fazem um trabalho de desvendamento humano. Então eu acho que colocar eles próximos a esses autores, o Ibsen e tudo o mais, mesmo eles sendo muito novos, dá a eles uma perspectiva de alteridade. Ter o outro, ter o teatro mesmo não como um teatro fácil, só da piada, da blag fácil, mas um teatro em que ele consegue tomar algo pra si próprio e que o faz ter vontade de responder pras outras pessoas algumas questões que estão no eixo da nossa existência e no nosso sentido de humanidade. Eu acho que eles pegaram essa fase do trabalho realizado na Escola Técnica, que era uma fase muito boa mesmo.
A . P .: Sandro, você acompanhou fases anteriores do teatro goiano, depois foi Secretário da Cultura, teve todo um movimento das leis de incentivo no país...Como você vê o Teatro Ritual hoje no cenário goiano?
S. L.: Em Goiânia eu assisti a uma trajetória de grupos da década de 70, 80. Por motivos e saturações diversas, esses grupos se esgotaram na virada do século. Grupos importantes como o Exercício, o Laboratório, o Grupo Canopus, vários grupos. E assisti ao mesmo tempo uma retomada do teatro e da dança em Goiás com novos grupos como o Ritual, o Trupicão, o Nu Escuro e outros grupos na cidade. Essa época da virada do século foi extremamente pródiga de novos grupos teatrais. No final dos anos 90 e na virada, você pode ver que tem muitos grupos com idade muito parecida, e eu tenho uma honra enorme de ter alunos em vários grupos desses e em alguns desses que eu citei. São grupos que têm uma profunda inquietação com a qualidade de busca e de pesquisa, e ao mesmo tempo uma força da continuidade que move, que alimenta essa saga íngreme, ladeira acima, escorregadia, que é sustentar um grupo de teatro em Goiânia, e sustentar com isso várias dimensões como ter um conjunto de pessoas próximas que acredita, buscar apoios e patrocínios e estabelecer uma figura jurídica do grupo, concorrer aos editais, às leis e tudo o mais. E pra você colocar no palco algo que tem capacidade de dizer pras pessoas, tem que ter nos bastidores uma estrutura de produzir material pra ser apresentado nos festivais, pra fazer circuitos e tudo o mais, ou seja, é uma empreitada de fôlego. As pessoas menos encorajadas ou que se fragilizam diante das dificuldades às vezes renunciam e aí prevalecem aquelas que têm mesmo uma musculatura, uma força de acreditar que aquilo é possível de fazer. E esses grupos, além de inovar na linguagem, mantém o teatro como uma linguagem viva e atual em Goiânia, ensejando novas pessoas, novos sonhos, a estar em cena, e a estar em cena no palco e fora do palco. Eu realmente não sei dizer qual que é o mais complexo, o mais complicado, dentro ou fora do palco, o que eu posso dizer é que um grupo como o Teatro Ritual faz parte hoje do patrimônio cultural da cidade, e é um grupo tão novo, com pessoas tão novas. Eu me lembro nos primeiros festivais “Goiânia em Cena”, do Pablo apresentando nas ruas, nas praças, nos pontos de ônibus, levando o festival pra vários lugares, então eu me lembro muito bem do grande esforço que os meninos tem, e aí quando eu falo meninos, falo também dos meninos do Trupicão, falo dos meninos do Antropos, dos meninos do Nu Escuro, porque são meus meninos, vão ser e serão sempre. Então eu acho que eu levo muito a sério, respeito muito e tenho muita admiração pelo trabalho, pela consistência e insistência, é o tipo de resistência que é bacana pra cidade.
A . P .: Você assistiu o espetáculo Travessia – Parte 1: A Partida e Travessia – Parte 2: De Tão Longe Venho Vindo, com Nando e Pablo numa experiência com o butoh, que impressão você teve desses trabalhos?
S. L.: Tive a oportunidade de assistir aos espetáculos, Travessia I e II. Foi uma grata surpresa a intensidade da busca e a qualidade da realização do espetáculo numa área tão arriscada, que é o Teatro Oriental. Muita gente boa já buscou nessa fonte tão prodigiosa e nem sempre encontrou bons resultados de palco. O Grupo Teatro Ritual cumpre com uma atuação respeitável e um fôlego exuberante um caminho árduo, íngreme e sinuoso. O resultado é de encher os olhos e demonstra uma fase muito amadurecida do grupo. No nosso contexto, onde predomina muitas vezes o teatro fácil e superficial, é muito interessante acompanhar um grupo que procura temas, linguagens e experimentações que lhes dê uma cara e construam uma identidade. Claro que se trata de uma identidade difusa e diversa, que além de estar em ebulição, estará sempre em permanente construção. Esse diálogo com o improvável faz muito bem à cidade e ao estado. O grupo teve ainda a capacidade de manter curtas temporadas dentro e fora do estado, assegurando uma longevidade ao projeto e permitindo seu aprimoramento em pleno processo de exibição. Aliás, uma característica das Artes Cênicas, que dada sua dimensão celebrativa, é capaz de se reinventar em pleno vôo.
A . P .: Que conselho você pode deixar aos atores do Grupo?
S. L.: Olha, eu não sei, não vou dar conselho não.
A . P .: Pôxa, dá conselho, já que você chama eles de meninos, você pode dar conselho...
S. L.: Ouvir mesmo a eles próprios e fazer as travessias.
S. L.: Na escola, o professor de teatro é professor de encenação, de interpretação, de dramaturgia, de análise de texto, e de todas as linguagens complementares que fazem acontecer o espetáculo. Se você não pensa na perspectiva do espetáculo, é muito difícil você manter o interesse do adolescente e a continuidade dele no projeto. E se você não dispõe de uma fruição de fato, se você não dispõe do requinte dos espetáculos, você tem que construir uma referência, senão o aluno acaba tendo apenas as referências do que assistiu. Pra sair da teledramaturgia, da novela, ou do cinema fácil e tudo o mais, você tem que possibilitar um outro olhar pra ele, e seduzí-lo pra esse outro olhar. E você tem que se valer mesmo de algumas magias que o teatro felizmente proporciona, como os encenadores do séc XX, os trabalhos que foram feitos e mostrar pra eles que aquelas perguntas internas deles em relação às próprias angústias fazem parte da escrita de um punhado de autores e encenadores que fazem um trabalho de desvendamento humano. Então eu acho que colocar eles próximos a esses autores, o Ibsen e tudo o mais, mesmo eles sendo muito novos, dá a eles uma perspectiva de alteridade. Ter o outro, ter o teatro mesmo não como um teatro fácil, só da piada, da blag fácil, mas um teatro em que ele consegue tomar algo pra si próprio e que o faz ter vontade de responder pras outras pessoas algumas questões que estão no eixo da nossa existência e no nosso sentido de humanidade. Eu acho que eles pegaram essa fase do trabalho realizado na Escola Técnica, que era uma fase muito boa mesmo.
A . P .: Sandro, você acompanhou fases anteriores do teatro goiano, depois foi Secretário da Cultura, teve todo um movimento das leis de incentivo no país...Como você vê o Teatro Ritual hoje no cenário goiano?
S. L.: Em Goiânia eu assisti a uma trajetória de grupos da década de 70, 80. Por motivos e saturações diversas, esses grupos se esgotaram na virada do século. Grupos importantes como o Exercício, o Laboratório, o Grupo Canopus, vários grupos. E assisti ao mesmo tempo uma retomada do teatro e da dança em Goiás com novos grupos como o Ritual, o Trupicão, o Nu Escuro e outros grupos na cidade. Essa época da virada do século foi extremamente pródiga de novos grupos teatrais. No final dos anos 90 e na virada, você pode ver que tem muitos grupos com idade muito parecida, e eu tenho uma honra enorme de ter alunos em vários grupos desses e em alguns desses que eu citei. São grupos que têm uma profunda inquietação com a qualidade de busca e de pesquisa, e ao mesmo tempo uma força da continuidade que move, que alimenta essa saga íngreme, ladeira acima, escorregadia, que é sustentar um grupo de teatro em Goiânia, e sustentar com isso várias dimensões como ter um conjunto de pessoas próximas que acredita, buscar apoios e patrocínios e estabelecer uma figura jurídica do grupo, concorrer aos editais, às leis e tudo o mais. E pra você colocar no palco algo que tem capacidade de dizer pras pessoas, tem que ter nos bastidores uma estrutura de produzir material pra ser apresentado nos festivais, pra fazer circuitos e tudo o mais, ou seja, é uma empreitada de fôlego. As pessoas menos encorajadas ou que se fragilizam diante das dificuldades às vezes renunciam e aí prevalecem aquelas que têm mesmo uma musculatura, uma força de acreditar que aquilo é possível de fazer. E esses grupos, além de inovar na linguagem, mantém o teatro como uma linguagem viva e atual em Goiânia, ensejando novas pessoas, novos sonhos, a estar em cena, e a estar em cena no palco e fora do palco. Eu realmente não sei dizer qual que é o mais complexo, o mais complicado, dentro ou fora do palco, o que eu posso dizer é que um grupo como o Teatro Ritual faz parte hoje do patrimônio cultural da cidade, e é um grupo tão novo, com pessoas tão novas. Eu me lembro nos primeiros festivais “Goiânia em Cena”, do Pablo apresentando nas ruas, nas praças, nos pontos de ônibus, levando o festival pra vários lugares, então eu me lembro muito bem do grande esforço que os meninos tem, e aí quando eu falo meninos, falo também dos meninos do Trupicão, falo dos meninos do Antropos, dos meninos do Nu Escuro, porque são meus meninos, vão ser e serão sempre. Então eu acho que eu levo muito a sério, respeito muito e tenho muita admiração pelo trabalho, pela consistência e insistência, é o tipo de resistência que é bacana pra cidade.
A . P .: Você assistiu o espetáculo Travessia – Parte 1: A Partida e Travessia – Parte 2: De Tão Longe Venho Vindo, com Nando e Pablo numa experiência com o butoh, que impressão você teve desses trabalhos?
S. L.: Tive a oportunidade de assistir aos espetáculos, Travessia I e II. Foi uma grata surpresa a intensidade da busca e a qualidade da realização do espetáculo numa área tão arriscada, que é o Teatro Oriental. Muita gente boa já buscou nessa fonte tão prodigiosa e nem sempre encontrou bons resultados de palco. O Grupo Teatro Ritual cumpre com uma atuação respeitável e um fôlego exuberante um caminho árduo, íngreme e sinuoso. O resultado é de encher os olhos e demonstra uma fase muito amadurecida do grupo. No nosso contexto, onde predomina muitas vezes o teatro fácil e superficial, é muito interessante acompanhar um grupo que procura temas, linguagens e experimentações que lhes dê uma cara e construam uma identidade. Claro que se trata de uma identidade difusa e diversa, que além de estar em ebulição, estará sempre em permanente construção. Esse diálogo com o improvável faz muito bem à cidade e ao estado. O grupo teve ainda a capacidade de manter curtas temporadas dentro e fora do estado, assegurando uma longevidade ao projeto e permitindo seu aprimoramento em pleno processo de exibição. Aliás, uma característica das Artes Cênicas, que dada sua dimensão celebrativa, é capaz de se reinventar em pleno vôo.
A . P .: Que conselho você pode deixar aos atores do Grupo?
S. L.: Olha, eu não sei, não vou dar conselho não.
A . P .: Pôxa, dá conselho, já que você chama eles de meninos, você pode dar conselho...
S. L.: Ouvir mesmo a eles próprios e fazer as travessias.
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