A . P. : Nando, qual o ideário do Teatro Ritual e como é alimentar esse ideário
sobre qual ideário o Teatro Ritual foi formado
N. R. :Pra mim, e acredito que a gente tenta estender isso pra todos os integrantes, é de criar um teatro transcendental, um teatro que transforme as pessoas de alguma forma, que ela entre numa sala de espetáculo de uma forma e saia de outro, saia transformada. Uma coisa que move muito a gente é o desejo de transcender os nossos próprios limites, as nossas deficiências, as nossas fraquezas, as nossas limitações, que possa transcendê-las, tranpô-las com o corpo e que isso de certa forma se transforme numa estética, numa forma de arte, o que pode ser conferido nos espetáculos da Trilogia Travessia, onde eu e o Pablo estamos ali lidando com várias questões pessoais, a gente tenta então universalizar e dividir essas questões através do nosso corpo, da nossa expressão, da nossa energia. Então o que a gente procura, o que nos move a continuar pesquisando é um desejo de encontrar uma nova forma de comunicação com as pessoas, uma comunicação que vá além do verbo, vá além da retórica, além do discurso pra chegar mais próximo de um contato energético, um contato mais tácito com as pessoas, que perpasse os sentidos, a energia, a fisicalidade, e através da fisicalidade chegar nesses outros canais de comunicação.
A . P. : Como você se interessou por teatro? Como tudo começou?
N. R. : Eu no início queria muito fazer cinema, era o meu sonho fazer cinema, sou um apaixonado por cinema...ainda sou um cinéfilo, um amante mesmo da sétima arte. Eu quando pequeno tinha o que, uns dez anos, eu brincava vendo - meu pai não tinha condições de comprar uma câmera - então eu olhava no espelho, olhava pelo espelho vários movimentos de câmera, angulações e tal, imaginando, brincando de cinema com um espelhinho. Com o tempo eu fui percebendo que estudar cinema era uma coisa cara e impossível de acontecer naquela época em Goiânia, eu teria que me mudar pra outra cidade, teria que haver um investimento da minha família pra eu poder morar noutra cidade, pagar um curso e aprender. Então eu fui aos poucos descobrindo a possibilidade do teatro, na escola, com alguns amigos, professores e comecei a experimentar de forma muito autodidata, sem instrução, sem saber como fazer direito. Então a gente juntava os amigos, escrevia, desde o início eu escrevia textos, os meus próprios textos, porque eu não sabia nem onde conseguir os textos teatrais...a gente escrevia o texto, ía e fazia de forma completamente amadorística na escola, e foi daí que tudo começou, essa centelha foi explodindo. Aos poucos eu fui conhecendo, eu ía nas bibliotecas, e lia um autor e outro. O primeiro foi Stanislavski, tinha livros dele aqui em Goiânia...é importante frisar que aqui em Goiânia no final da década de 80 e início da década de 90, tinha uma deficiência muito grande de informação sobre o teatro nas bibliotecas, tinha poucos livros e não tinha uma faculdade de artes cênicas aqui. Os cursos que tinham eram os cursos livres de teatro, e eram no Veiga Valle, que eu saiba, no Centro Livre de Artes - isso eu to chutando - mas eu sei que sempre tinha no Veiga Valle, e sei que tinha no Cefet, com o Sandro di Lima. Tirando isso tinham os grupos que faziam teatro, que eu não conhecia também, que fui conhecendo bem aos poucos. Logo eu conheci o Samuel Baldani, que dava aula na Católica e através dele conheci o Eduardo de Souza, que fazia parte da Casa do Teatro, e lá foi minha primeira experiência assim com aula de teatro. A gente fazia teatro intuitivamente, devia ser terrível mas era uma coisa espontânea, um menino de 12, 13, 14 anos, brincando de fazer teatro na escola, com os amigos. E logo eu comecei a estudar Stanislavski, destrinchei “A preparação do Ator”, inclusive eu desenhava meus estudos, transpunha pra desenho, porque eu gostava muito de desenhar nessa época de infância - inclusive eu achei que ía enveredar pras artes visuais, pras artes plásticas, mas uma professora no Veiga Valle me fez desistir disso também. Eu comecei a fazer aula, e a desenvolver uma técnica que ela tava ensinando e a metodologia dela era através da observação de um vaso...a gente pintava vários vasos, flores e tal, só que eu era muito impaciente, aprendia mais rápido e já fazia e queria ir pra frente, e ela não queria, queria que eu acompanhasse a turma e começou a ser um pouco autoritária, de forma que assustou e eu saí, parei de desenhar, e fui começando a brincar de fazer teatro. De lá pra cá fui estudando, estudando, aprendendo, fazendo cursos...eu lembro que a primeira oficina que eu fiz de teatro foi no Martim Cererê com o Mauri de Castro, que foi uma experiência incrível. Eu já tinha estudado exercícios de teatro em livros e já tinha tentado aplicar em mim mesmo e em colegas de teatro na escola, e aí eu ter um professor e fazer uma oficina com ele foi muito bom. Lembro que ele parecia uma pessoa mística, tinha uma técnica de pegar na gente e dar choque, e aquilo me impressionou assim, não sei como que ele faz mas ele falava “vou te dar o choque você quer?” E eu: “Vai, dá o choque”, e aí ele me dava o choque. Já foi minha primeira experiência com energia(rsrs), energia física no próprio corpo. Até hoje não sei, tenho que descobrir com o Mauri fazia isso, que eu não aprendi.
A . P.: O que em teatro te entusiasmou quando você assistiu?
N. R. : O primeiro espetáculo que eu vi, que mexeu comigo, que eu pensei é isso que eu quero fazer, foi o “Martim Cererê” do Marcos Fayad. Eu assisti no Teatro Goiânia, era uma remontagem já, porque ele montou bem antes, quando eu era bem novinho, depois ele remontou na década de 90 e eu assisti. Era um teatro físico pra mim, não sabia o que era, não conhecia esse termo, mas eram vários atores fazendo índios e não tinha uma fala...eu lembro até hoje assim de como eu me emocionei, de como eu me arrepiei, de ver aquela sequência de cenas, de como ele construiu aquilo. Os atores faziam círculos e faziam rituais de índios e tal, depois o espetáculo foi evoluindo até chegar na urbanidade, na cidade e tal, aí começavam a entrar os textos, mas a maior parte do espetáculo era assim físico, era uma representação mais visual, pelo menos foi o que ficou na minha memória, o que marcou, e eu não conhecia o Marcos Fayad, não sabia quem era, nada...devia ter 15, 16 anos e foi uma experiência assim marcante, das primeiras coisas que eu vi. Depois fui abrindo meus horizontes pra outras referências, até que surgiu o Lume, que foi completamente arrebatador pra mim. Eu lembro que lá em Campinas eu assisti um espetáculo do lado da Ana Cristina do Zabriskie, o “La Scarpetta”, que era um solo de palhaço do Ricardo Pucceti. Eu fiquei completamente arrebatado, porque era o tipo de teatro que eu queria fazer desde sempre, era mais que teatro, não sabia se devia chamar aquilo de teatro, pra mim era um ritual, próximo do que eu queria fazer. Era esse o objetivo de colocar esse nome de Teatro Ritual, pra que fosse uma celebração, um encontro transcendente, e isso eu senti mesmo com o Lume. Entre a pessoa que tão no palco e as pessoas que tão assistindo, era como se eu testemunhasse um ato xamânico, de cura de alguma forma, que resumia tudo o que eu gostaria de fazer um dia no teatro, então pra mim foi uma experiência fantástica ver pela primeira vez...depois a gente trouxe eles aqui, eu vi todos os espetáculos e o trabalho deles me encantou profundamente, deu uma inspiração enorme, sabe, pra gente, o suprassumo assim do que a gente busca. E aí depois eu vi muitas outras coisas de espetáculos de mímica, espetáculos fora daqui , né, em São Paulo, na Itália, na Alemanha a gente viu umas performances também, em Brasília a gente viu um espetáculo de mímica com um grupo que se chama Black Sky White, o espetáculo se chamava “Bertrand Toys”, “Os brinquedos de Bertrand”, que era um espetáculo um pouco sombrio, causava sensações profundas na platéia. Eu gosto disso, eu gosto de espetáculos que mexem com as sensações, provocam sensações boas ou ruins, mas que interferem em alguma coisa, que eu não assisto confortavelmente da poltrona.
(a entrevista continua...)
sobre qual ideário o Teatro Ritual foi formado
N. R. :Pra mim, e acredito que a gente tenta estender isso pra todos os integrantes, é de criar um teatro transcendental, um teatro que transforme as pessoas de alguma forma, que ela entre numa sala de espetáculo de uma forma e saia de outro, saia transformada. Uma coisa que move muito a gente é o desejo de transcender os nossos próprios limites, as nossas deficiências, as nossas fraquezas, as nossas limitações, que possa transcendê-las, tranpô-las com o corpo e que isso de certa forma se transforme numa estética, numa forma de arte, o que pode ser conferido nos espetáculos da Trilogia Travessia, onde eu e o Pablo estamos ali lidando com várias questões pessoais, a gente tenta então universalizar e dividir essas questões através do nosso corpo, da nossa expressão, da nossa energia. Então o que a gente procura, o que nos move a continuar pesquisando é um desejo de encontrar uma nova forma de comunicação com as pessoas, uma comunicação que vá além do verbo, vá além da retórica, além do discurso pra chegar mais próximo de um contato energético, um contato mais tácito com as pessoas, que perpasse os sentidos, a energia, a fisicalidade, e através da fisicalidade chegar nesses outros canais de comunicação.
A . P. : Como você se interessou por teatro? Como tudo começou?
N. R. : Eu no início queria muito fazer cinema, era o meu sonho fazer cinema, sou um apaixonado por cinema...ainda sou um cinéfilo, um amante mesmo da sétima arte. Eu quando pequeno tinha o que, uns dez anos, eu brincava vendo - meu pai não tinha condições de comprar uma câmera - então eu olhava no espelho, olhava pelo espelho vários movimentos de câmera, angulações e tal, imaginando, brincando de cinema com um espelhinho. Com o tempo eu fui percebendo que estudar cinema era uma coisa cara e impossível de acontecer naquela época em Goiânia, eu teria que me mudar pra outra cidade, teria que haver um investimento da minha família pra eu poder morar noutra cidade, pagar um curso e aprender. Então eu fui aos poucos descobrindo a possibilidade do teatro, na escola, com alguns amigos, professores e comecei a experimentar de forma muito autodidata, sem instrução, sem saber como fazer direito. Então a gente juntava os amigos, escrevia, desde o início eu escrevia textos, os meus próprios textos, porque eu não sabia nem onde conseguir os textos teatrais...a gente escrevia o texto, ía e fazia de forma completamente amadorística na escola, e foi daí que tudo começou, essa centelha foi explodindo. Aos poucos eu fui conhecendo, eu ía nas bibliotecas, e lia um autor e outro. O primeiro foi Stanislavski, tinha livros dele aqui em Goiânia...é importante frisar que aqui em Goiânia no final da década de 80 e início da década de 90, tinha uma deficiência muito grande de informação sobre o teatro nas bibliotecas, tinha poucos livros e não tinha uma faculdade de artes cênicas aqui. Os cursos que tinham eram os cursos livres de teatro, e eram no Veiga Valle, que eu saiba, no Centro Livre de Artes - isso eu to chutando - mas eu sei que sempre tinha no Veiga Valle, e sei que tinha no Cefet, com o Sandro di Lima. Tirando isso tinham os grupos que faziam teatro, que eu não conhecia também, que fui conhecendo bem aos poucos. Logo eu conheci o Samuel Baldani, que dava aula na Católica e através dele conheci o Eduardo de Souza, que fazia parte da Casa do Teatro, e lá foi minha primeira experiência assim com aula de teatro. A gente fazia teatro intuitivamente, devia ser terrível mas era uma coisa espontânea, um menino de 12, 13, 14 anos, brincando de fazer teatro na escola, com os amigos. E logo eu comecei a estudar Stanislavski, destrinchei “A preparação do Ator”, inclusive eu desenhava meus estudos, transpunha pra desenho, porque eu gostava muito de desenhar nessa época de infância - inclusive eu achei que ía enveredar pras artes visuais, pras artes plásticas, mas uma professora no Veiga Valle me fez desistir disso também. Eu comecei a fazer aula, e a desenvolver uma técnica que ela tava ensinando e a metodologia dela era através da observação de um vaso...a gente pintava vários vasos, flores e tal, só que eu era muito impaciente, aprendia mais rápido e já fazia e queria ir pra frente, e ela não queria, queria que eu acompanhasse a turma e começou a ser um pouco autoritária, de forma que assustou e eu saí, parei de desenhar, e fui começando a brincar de fazer teatro. De lá pra cá fui estudando, estudando, aprendendo, fazendo cursos...eu lembro que a primeira oficina que eu fiz de teatro foi no Martim Cererê com o Mauri de Castro, que foi uma experiência incrível. Eu já tinha estudado exercícios de teatro em livros e já tinha tentado aplicar em mim mesmo e em colegas de teatro na escola, e aí eu ter um professor e fazer uma oficina com ele foi muito bom. Lembro que ele parecia uma pessoa mística, tinha uma técnica de pegar na gente e dar choque, e aquilo me impressionou assim, não sei como que ele faz mas ele falava “vou te dar o choque você quer?” E eu: “Vai, dá o choque”, e aí ele me dava o choque. Já foi minha primeira experiência com energia(rsrs), energia física no próprio corpo. Até hoje não sei, tenho que descobrir com o Mauri fazia isso, que eu não aprendi.
A . P.: O que em teatro te entusiasmou quando você assistiu?
N. R. : O primeiro espetáculo que eu vi, que mexeu comigo, que eu pensei é isso que eu quero fazer, foi o “Martim Cererê” do Marcos Fayad. Eu assisti no Teatro Goiânia, era uma remontagem já, porque ele montou bem antes, quando eu era bem novinho, depois ele remontou na década de 90 e eu assisti. Era um teatro físico pra mim, não sabia o que era, não conhecia esse termo, mas eram vários atores fazendo índios e não tinha uma fala...eu lembro até hoje assim de como eu me emocionei, de como eu me arrepiei, de ver aquela sequência de cenas, de como ele construiu aquilo. Os atores faziam círculos e faziam rituais de índios e tal, depois o espetáculo foi evoluindo até chegar na urbanidade, na cidade e tal, aí começavam a entrar os textos, mas a maior parte do espetáculo era assim físico, era uma representação mais visual, pelo menos foi o que ficou na minha memória, o que marcou, e eu não conhecia o Marcos Fayad, não sabia quem era, nada...devia ter 15, 16 anos e foi uma experiência assim marcante, das primeiras coisas que eu vi. Depois fui abrindo meus horizontes pra outras referências, até que surgiu o Lume, que foi completamente arrebatador pra mim. Eu lembro que lá em Campinas eu assisti um espetáculo do lado da Ana Cristina do Zabriskie, o “La Scarpetta”, que era um solo de palhaço do Ricardo Pucceti. Eu fiquei completamente arrebatado, porque era o tipo de teatro que eu queria fazer desde sempre, era mais que teatro, não sabia se devia chamar aquilo de teatro, pra mim era um ritual, próximo do que eu queria fazer. Era esse o objetivo de colocar esse nome de Teatro Ritual, pra que fosse uma celebração, um encontro transcendente, e isso eu senti mesmo com o Lume. Entre a pessoa que tão no palco e as pessoas que tão assistindo, era como se eu testemunhasse um ato xamânico, de cura de alguma forma, que resumia tudo o que eu gostaria de fazer um dia no teatro, então pra mim foi uma experiência fantástica ver pela primeira vez...depois a gente trouxe eles aqui, eu vi todos os espetáculos e o trabalho deles me encantou profundamente, deu uma inspiração enorme, sabe, pra gente, o suprassumo assim do que a gente busca. E aí depois eu vi muitas outras coisas de espetáculos de mímica, espetáculos fora daqui , né, em São Paulo, na Itália, na Alemanha a gente viu umas performances também, em Brasília a gente viu um espetáculo de mímica com um grupo que se chama Black Sky White, o espetáculo se chamava “Bertrand Toys”, “Os brinquedos de Bertrand”, que era um espetáculo um pouco sombrio, causava sensações profundas na platéia. Eu gosto disso, eu gosto de espetáculos que mexem com as sensações, provocam sensações boas ou ruins, mas que interferem em alguma coisa, que eu não assisto confortavelmente da poltrona.
(a entrevista continua...)